Mediação em procedimentos de Recuperação Judicial

Por Publicado em: 4 de agosto de 2020Categorias: Análise

Mediação em procedimentos de Recuperação Judicial

 

por Lucas Kunzendorff Kuster

 

A promulgação do Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), em 2015, não somente conferiu novos contornos à sistemática processual civil brasileira mas tentou, com sucesso que ainda se vê sendo construído a passos moderados, semear a ideia da Justiça Multiportas ou sistema multiportas de solução de conflitos (multi-door system). Ao longo do “novo” do diploma – já não tão novo, embora ainda nos apeguemos à alcunha –, o legislador tratou de inserir expressamente os até então chamados meios “alternativos” de solução de conflitos: a arbitragem, a mediação e a conciliação.

Alternativos pois em uma sociedade imersa na cultura do litígio, quaisquer métodos de solução de conflitos que não perpassem, necessariamente, pelo Judiciário, assim serão rotulados como “alternativos”, uma vez que aquele é o padrão. Contudo, a experiência e os estudos mostram que a depender do tipo de demanda/conflito e o contexto que em se encontra inserido, sua resolução pode ser mais célere e efetiva quando submetido a um dos referidos métodos. Daí a ideia de multiportas, como caminhos a serem trilhados a depender da conveniência e necessidade da situação.

Quando se pensa em Recuperação Judicial (Lei 11.101/05), pressupõe-se um empresário ou sociedade empresária que passa por um cenário de crise econômico-financeira, na qual suas contas se encontram desequilibradas e uma reorganização financeira, pessoal ou até mesmo estrutural se faz(em) necessária(s). E para que essa reorganização se concretize, diversas medidas podem/devem ser tomadas, e muitas delas envolverão interesses que não raramente serão contrapostos: sócios, empregados, credores e fornecedores são alguns dos possíveis titulares desses interesses.

Nesse sentido, a Recuperação Judicial irá sempre envolver, entre as diversas partes interessadas, “tratativas negociais destinadas a adequar os interesses contrapostos, bem avaliando em que extensão de esforços e renúncias estariam dispostos a suportar, no intento de reduzir os prejuízos que se avizinham (sob a perspectiva dos credores), bem como de permitir a reestruturação da empresa em crise (sob o enfoque da devedora)”.

Bem se sabe que as tratativas desenvolvidas entre partes com interesses contrapostos podem caminhar bem ou não chegar a lugar algum, seja por obstáculos na comunicação ou na leitura do ambiente, seja pela enorme disparidade de expectativas, seja por pura inflexibilidade na posição ocupada, não raras as vezes resta completamente infrutífera qualquer tentativa de acordo, especialmente em recuperações judiciais. Nesse cenário, a mediação é uma forte aliada para a construção de um ambiente propício para o desenvolvimento de uma negociação eficaz.

A mediação, que é um procedimento voluntário, tem como alvo a resolução consensual de conflitos, com o auxílio de um mediador, que é um “terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (art. 1º, parágrafo único da Lei 13.140/15), daí porque é um método autocompositivo de solução, que pode ser empregado tanto isoladamente, quanto em processos judiciais em curso (art. 3º, §3º e art. 334, ambos do CPC/15) a fim de auxiliar a resolução de questões pontuais, ou até de mesmo do conflito como um todo.

No âmbito de uma recuperação judicial, muitas são as questões que devem ser trazidas à luz do debate e, por se tratarem de questões delicadas e que impactam financeiramente em todos os interessados, a mediação muitas vezes pode vir como um grande viabilizador desse debate.

Algumas dessas questões podem ser pontuais entre sujeitos específicos, como, a título de exemplo, a definição de valores de crédito, solução de eventual objeção apresentada, os conflitos contratuais (manutenção ou rescisão de contratos, flexibilização na retomada das garantias fiduciárias que se constituem como bens essenciais (art. 49, §3º da Lei 11.101/05), etc.). Enquanto por outro lado, outras questões podem envolver uma grande quantidade de interessados, como a definição de um cronograma para realização dos atos processuais, os termos do Plano de Recuperação Judicial que por si, abarca inúmeras questões (a própria aprovação deste, a adesão de credores não sujeitos ao plano, a flexibilização das consequências em caso de descumprimento do plano, etc.), dentre tantas outras, que quando submetidas a um procedimento de mediação, podem obter contornos favoráveis ao maior número possível de envolvidos.

Isso se dá pois esse procedimento é guiado por princípios que visam garantir a sua eficácia e o bom resultado, que se verifica na satisfação das partes com a solução por elas alcançada. Para tanto, a mediação na recuperação judicial sempre será guiada pela (i) autonomia e isonomia das partes, de forma a garantir que todos os envolvidos tenham oportunidade de se manifestar e contribuir, bem como de tomar suas próprias decisões; (ii) imparcialidade e independência do mediador, que deverá atuar com autonomia e ausência de interesses no objeto do conflito, independentemente da origem da sua indicação; (iii) confidencialidade, de forma que as informações que forem divulgadas nas sessões de mediação serão sigilosas e não poderão ser divulgadas ou utilizadas fora do procedimento, a menos que a parte a quem afeta assim autorize; (iv) transparência e decisão informada, de forma que as partes tenham plena ciência da extensão das consequências que determinada solução trará e que o resultado seja publicizado para que os demais interessados tenham ciência do que restou definido; e, ainda, pela (v) busca pelo consenso, devendo o mediador sempre promover o debate e a comunicação efetiva entre as partes; guiando-se, assim, a uma solução consensual e autogerida pelas partes.

Em suma, sublinha-se que a mediação pode ser poderosa ferramenta quando empregada nas tensas e acirradas tratativas que envolvem um processo de Recuperação Judicial. Seu uso deve sempre se dar em observância aos princípios dispostos no art. 2º da Lei 13.140/15 e dos acima expostos, e o mediador ou mediadores indicados deverão ser pessoas de confiança das partes, dotado de conhecimento técnico e experiência na área, para que conduza com responsabilidade e excelência o procedimento a fim de alcançar o resultado mais proveitoso a todos os envolvidos.

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Lucas Kunzendorff Kuster é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do time de profissionais do escritório.

REFERÊNCIAS:

*BRASIL. Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

*BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

*BRASIL. Lei n° 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm  >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

*BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.700.487/MT. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, Julgado em 02/04/2019, DJe 26/04/2019.

*CAMARB. Guia de boas práticas para mediação em Recuperação Judicial. Disponível em: < http://camarb.com.br/wpp/wp-content/uploads/2020/08/guia-de-boas-praticas-para-mediacao-em-recuperacao-judicial-camarb-3.pdf >. Acesso em 04 de agosto de 2020.

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