Administração de Riscos e Dispute Boards
De simples contratos de empreitada aos contratos de engineering, procurement and construction (EPC) para a consecução de mega projetos de infraestrutura do ramo imobiliário, mobilidade urbana, nacional ou transnacional, produção, geração, transmissão de energia e etc., todos possuem um inerente elemento em comum: o risco. Apesar de breve simplificação, o risco nos contratos de construção e infraestrutura apresentam-se como fator balizador do planejamento de custos, ainda mais quando desembocam em controvérsias entre as partes contratantes.
O risco dos conflitos, enquanto fator probabilístico, é mitigado pela previsão das melhores técnicas, mas não é eliminado. Nesse cenário, a precaução e cuidado é essencial para economia de tempo e recursos na administração desses contratos. Em razão disso, a indústria de construção civil busca a adoção de métodos para a prevenção de disputas, por exemplo, os Dispute Boards (DB) ou Comitês de Prevenção e Resolução de Disputas (CRPD), como também são chamados no Brasil.
O Dispute Board é um método alternativo de prevenção e resolução de disputas oriundo da indústria de construção civil norte americana. Os primeiros registros de utilização do método ocorreram na construção da termelétrica à carvão, localizada na cidade de Estevan, província de Saskatchewan, Canadá, chamada Boundary Dam, entre as décadas de 60 e 70. (DRBF, 2019; Silva Neto, 2019).
No caso mencionado, foi previsto um joint consulting board, não adotando, de início, a nomenclatura atual, porém organizado de forma similar a partir de comitê de especialistas para consultoria e fiscalização do andamento do projeto. (Silva Neto, 2019).
O termo Dispute Board foi criado apenas em 1972, a partir dos estudos patrocinados pela U.S. National Committee on Tunneling Technology para a elaboração de recomendações sobre as melhores práticas contratuais na construção civil. Em 1975, na construção da segunda via do túnel Eisenhower, Colorado, foi utilizado pela primeira vez um Dispute Board propriamente dito. (DRBF, 2019; Neves, 2024).
Nos idos de 1980, em Hong Kong, foi utilizado o procedimento fora do território americano, demonstrando a expansão do instituto e sua globalização. Atualmente, os Dispute Boards são utilizados em mais de 70 países, com cerca de 270 bilhões de dólares em projetos. (DRBF, 2019).
A eficácia do método se dá porque não há a paralisação das obras, evitando desperdícios de tempo e materiais no canteiro, e por conta do acompanhamento ou visitas das obras pelos membros do comitê, conferindo conhecimento detalhado sobre os aspectos fáticos. Desse modo, a atuação do comitê oferece um caráter fiscalizatório sobre o desenvolvimento dos trabalhos, sem, contudo, perder seu caráter informal e facilitar a comunicação entre as partes para a prevenção dos conflitos.
Em aspecto jurídico, o Dispute Board é um método de natureza contratual que as partes decidem constituir no início do contrato/ execução das obras (permanente) – o recomendado – ou após o começo das primeiras controvérsias (ad hoc), através da nomeação, em número ímpar, de especialistas nos temas afetos ao objeto do contrato, como engenheiros, arquitetos ou juristas (Neves, 2024).
Há também três modalidades de comitês, apresentando efeito vinculante ou não para as partes em relação a deliberação do comitê. Os comitês podem ser de caráter recomendatório (dispute review board), vinculante (dispute adjudication board) ou híbrido (combined dispute board).
O método privilegia a autonomia privada das partes num procedimento regido pelos princípios da informalidade, sigilosidade, disponibilidade ou informatividade do comitê e cooperação (DRBF, 2019). Todos esses fatores corroboram para a autocomposição, mas ainda permite a heterocomposição através de uma deliberação fundamentada do comitê, que pode vir a ser utilizada como meio de prova em procedimentos arbitrais ou judicias.
A combinação da especialidade dos profissionais sobre a matéria reforça a higidez da deliberação, de modo que apresentará forte indício do caminho a ser seguido pelo julgador, na eventualidade da formalização da disputa. Retrato disso é o baixo número de decisão reformadas por tribunais arbitrais e judiciais.
A eficácia do método é comprovada por estudos desenvolvidos pela Dispute Resolution Board Foundation e análises do estado da Flórida em seus projetos de parcerias público-privadas. A Dispute Resolution Board Foundation através de pedido do Asian Bank for Development analisou, em 2018, cerca de 230 projetos com a utilização de um DB, obtendo como resultado que apenas 6% das questões levadas ou submetidas ao procedimento preventivo de disputas resultou em demandas arbitrais, bem como na economia de 94% do custo para resolução de disputas. (DRBF, 2019; Farrer, 2024).
Já nas análises do departamento de transportes da florida, dentre aqueles contratos vinculados à um dispute board apenas 1,8% ocorreram em atrasos e 12.1% deles excederam os custos, frente aos 19.2% e 17.9% respectivamente dos contratos sem a atuação de um dispute board. (DRBF, 2019).
Não obstante aos dados favoráveis, é importante destacar que a utilização do DB deve sempre levar em conta o valor do contrato, de modo que não se crie apenas custos desnecessários para as partes. Além disso, a assessoria jurídica das partes também deve compreender o intuito negocial fornecido pelo comitê, se abstendo, por conseguinte, de uma atuação combativa. (Farrer, 2024).
Trata-se de um meio eficiente para a gestão adequada do contrato, mas que pode vir a ter sua economia reduzida pela conduta indiligente das partes. Portanto, a utilização do DB, para que seja possível usufruir de seus benefícios, requer o devido planejamento e ciência das partes sobre a sua atuação, funcionamento e confiança.
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REFERÊNCIAS
Dispute Resolution Board Fundation (DRBF). Dispute Board Manual: A Guide to Best Practices and Procedures. Charlotte: Spark Publications, 2019.E-book.
Farrer, Robert. Dispute Resolution Boards: Cômite de Resolução de Disputas. Infraestrutura, Construção, Arbitragem e Dispute Board: Homenagem a Gilberto José Vaz. Org. Alyne de Matteo Vaz, Fernando Vinícius Tavares Magalhães. Coord. Renata Faria Silva Lima, Felipe Ferreira Machado Moraes. Belo Horizonte: Del Rey, 2024. p. 499 – 510.
Neves, Flavia Bittar; Natassia Pereira. A Evolução no Uso dos Comitês de Prevenção e Reolução de Disputas (Dispute Boards) no Brasil. Dispute Resolution Boards: Cômite de Resolução de Disputas. Infraestrutura, Construção, Arbitragem e Dispute Board: Homenagem a Gilberto José Vaz. Org. Alyne de Matteo Vaz, Fernando Vinícius Tavares Magalhães. Coord. Renata Faria Silva Lima, Felipe Ferreira Machado Moraes. Belo Horizonte: Del Rey, 2024. p. 423 – 438.
Silva Neto, Augusto Barros de Figueiredo e. Os Dispute Boards no Brasil: Evolução Histórica, a Prática e Perspectiva Futuras. Revista Brasileira de Alternative. Dispute Resolution. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution, 2019.