Fim Social da Sociedade – Conceitos essenciais para o Direito Societário Brasileiro

Por Publicado em: 9 de setembro de 2022Categorias: Análise

O conceito do fim social decorre de discussões que se enquadram na crítica e na superação do formalismo e individualismo do Estado Liberal, que possibilitou a discussão sobre a intersubjetividade das relações jurídicas e da reaproximação do direito com a moral e a justiça (1). 

A partir deste pensamento, bem como os ideais do Estado do Bem Estar Social, o fim social projetou-se para diversos campos da sociedade, como a liberdade dos contratos, ocorrendo discussões sobre a boa-fé, o equilíbrio contratual e a justiça material. Diante disso, com o maior reconhecimento do fim social do contrato e da propriedade, esta discussão foi ganhando relevância no que concernia o instituto da empresa. Ou seja, enquanto “aumentava o reconhecimento da empresa como instituição fundamental não apenas no âmbito econômico, mas também nos âmbitos político e social” (2). Desse modo, o fim social foi criado para conciliar o capitalismo com o bem-estar social (3), além de promover a superação da dicotomia entre direito público e direito privado (4).

O instituto do fim social é um importante princípio para o direito societário e essencial para o exercício da atividade econômica, já que o seu sentido advém da articulação entre princípios da ordem econômica constitucional. Uma vez que, este princípio está  ligado à previsão do art. 170 da CRFB/88 (5), pois proporciona benefícios para todos os envolvidos diretamente com a atividade, e, mais que isso, com a coletividade.

Esse conceito detém como essência a função sistematizadora do ordenamento jurídico, objetivando compatibilizar diversos interesses envolvidos na atividade econômica ao mesmo tempo, em que se busca a preservação da empresa e da atividade lucrativa que assim a qualifica.

A função social da empresa, como vista, atualmente, e anteriormente mencionada, consolidou-se no momento em que a função social da propriedade projetou seus efeitos sobre os bens de produção que possuíram sua estrutura alterada para assumir compromissos e obrigações com empregados, consumidores e a comunidade, na totalidade. Assim, o patrimônio da empresa não pode ser comprometido, somente, pelos interesses dos sócios, mas também pelos interesses da coletividade.

O fim social da empresa deve ser compatibilizado com o princípio da manutenção da sociedade enquanto a subsistência rentável da sociedade é pressuposto para a realização de qualquer outro interesse. Isso quer dizer que, independente do tipo de sociedade, o seu fim social será gerar lucro. Lucro este, que poderá ser reinvestido na comunidade em geral, uma vez que, por exemplo, com o lucro há a possibilidade de se aumentar um parque industrial, e, consequentemente, gerando mais empregos.

Assim, a manutenção da empresa não pode ficar sujeita à vontade ou aos interesses de determinados sócios, ou credores, ou qualquer outro grupo, diante da magnitude de interesses que dependem da atividade empresarial para serem atendidos. Para uma melhor compreensão da incidência do fim social é necessário que se considere os diversos interesses que compõem o interesse social e da preservação da sociedade como parâmetros interpretativos das regras sobre diversas disputas societárias.

Diante disso, verificamos que  o fim social não tem por fim aniquilar liberdades e direitos dos empresários e tampouco tornar a empresa mero instrumento para a consecução de fins sociais. O fim social tem por objetivo reinserir a solidariedade social na atividade econômica sem desconsiderar a autonomia privada fornecendo padrão mínimo de distribuição de riquezas e de redução das desigualdades.

Portanto, o fim social da empresa é um importante princípio para o direito societário brasileiro, uma vez que, ele confere uma série de proteções para os empresários, como, por exemplo, impede que as pessoas utilizem de subterfúgios para justificar ações de exclusão unilateral de sócios. Bem como, confere uma série de proteções para a comunidade, dado que é necessário pensar a sociedade não só como os sócios, mas como um grande integrante da comunidade em que ela se localiza, gerando empregos e melhorando a qualidade de vida de todos. 

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(1) Diante desse quadro, Habermas conclui que a transição do Estado Liberal para o Estado Social apresenta, pelo menos como um dos seus objetivos iniciais, a intenção de resgatar a intersubjetividade dos direitos, estabelecendo relações simétricas de reconhecimento recíproco com a finalidade de coordenar as diferentes pretensões de liberdades das pessoas (HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez, pp. 323-324).

(2) FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As, p. 97.

(3) De acordo com José Afonso da Silva, o Estado Social “caracteriza-se no propósito de compatibilizar, em um mesmo sistema, como anota Elías Díaz, dois elementos: o capitalismo, como forma de produção, e a consecução do bem-estar social geral, servindo de base ao neocapitalismo típico do Welfare State” (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo.).

(4) MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito económico, pp. 24-25.

(5) caput do art. 170 da Constituição Federal de 1988 dispõe que a ordem econômica está “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” e “tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social”, para então elencar os princípios que conformam a ordem econômica constitucional: (i) a soberania nacional; (ii) a propriedade privada; (iii) a função social da propriedade; (iv) a livre concorrência; (v) a defesa do consumidor; (vi) a defesa do meio ambiente; (vii) a redução das desigualdades regionais e sociais; (viii) a busca do pleno emprego; e (ix) o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

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