Extensão Subjetiva da Cláusula Compromissória: Limites Entre a Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional Estatal e a Realidade Negocial

Por Publicado em: 3 de novembro de 2025Categorias: Análise

A extensão subjetiva da cláusula compromissória representa uma das questões mais relevantes e complexas do Direito Arbitral contemporâneo. A matéria impõe a necessidade de compatibilizar dois princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro: a garantia constitucional de acesso à jurisdição estatal (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal) e a autonomia privada das partes, especialmente no âmbito das relações contratuais empresariais. A controvérsia reside na definição dos critérios jurídicos que legitimam a vinculação de terceiros não signatários à convenção arbitral firmada originariamente entre outras partes.

Nos termos da legislação vigente, em especial a Lei n.º 9.307/1996, a convenção de arbitragem deve ser estabelecida por escrito, vinculando apenas os contratantes expressamente aderentes. Trata-se de uma decorrência do princípio da relatividade dos contratos, segundo o qual os efeitos obrigacionais restringem-se às partes que manifestaram sua vontade de forma válida. No entanto, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido, em situações específicas, a possibilidade de extensão da cláusula compromissória a terceiros, desde que configurados requisitos objetivos que revelem consentimento tácito e qualificado.

A análise do caso concreto deve ser feita à luz de elementos que demonstrem o efetivo envolvimento do terceiro na formação, na execução ou no cumprimento da relação contratual subjacente. Entre as hipóteses admitidas destacam-se as teorias do grupo de sociedades e do estoppel, adotadas com parcimônia pela jurisprudência brasileira. A aplicação da teoria do grupo de sociedades exige prova de atuação coordenada entre as empresas, com participação ativa da sociedade não signatária na negociação e execução do contrato. Por sua vez, a teoria do estoppel veda o comportamento contraditório da parte que, mesmo não signatária, se beneficia do contrato e, posteriormente, busca se afastar dos seus efeitos.

Nesse contexto, o julgamento proferido no caso Trelleborg, analisado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, é emblemático. O tribunal reconheceu a legitimidade da extensão da cláusula compromissória à empresa controladora que, embora não subscritora do contrato, participou de maneira decisiva nas tratativas e na execução do negócio. O acórdão considerou que tal conduta evidenciava anuência tácita ao juízo arbitral eleito pelas partes originais, o que autorizaria sua vinculação à arbitragem. O fundamento principal repousou na atuação direta e reiterada da controladora no contexto negocial, situação que inviabilizaria o afastamento da cláusula compromissória sem prejuízo à segurança jurídica.

A matéria também foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.º 1.727.979/MG, que tratou da sucessão hereditária em relação à cláusula compromissória prevista em contrato social. A Corte concluiu que os sucessores do sócio falecido, ao assumirem sua posição na sociedade, aderem às obrigações e condições previamente pactuadas, incluindo a eleição da arbitragem como meio de solução de conflitos. A decisão considerou que a cláusula compromissória integra o conteúdo do direito patrimonial transferido, e que a recusa em observá-la comprometeria a estabilidade das relações societárias.

Dessa forma, a extensão subjetiva da cláusula compromissória não configura violação ao direito de acesso à Justiça, desde que baseada em elementos concretos que revelem o consentimento implícito e substancial do terceiro. O Poder Judiciário tem estabelecido critérios rigorosos para reconhecer essa extensão, exigindo demonstração inequívoca de participação ativa ou sucessão jurídica relevante. A superação do formalismo da assinatura contratual, nesses casos, busca preservar a boa-fé, a lealdade contratual e a integridade das relações empresariais complexas, respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico.

Avatar photo
Bacharelando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

Temas Relacionados