Os 21 anos do Estatuto do Idoso e sua reflexão nos julgados dos Tribunais de Justiça brasileiros
O Estatuto do Idoso, instituído pela Lei nº 10.741, promulgada em 1º de outubro de 2003 (1), completou 21 anos esta semana. Desde sua promulgação, o Estatuto se firmou como um marco na proteção dos direitos das pessoas com 60 anos ou mais, refletindo uma resposta necessária às crescentes vulnerabilidades enfrentadas por essa população em áreas sociais, econômicas e de saúde.
Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, a criação do Estatuto foi um passo fundamental para assegurar que os idosos sejam tratados com dignidade e tenham seus direitos garantidos. O Estatuto aborda questões de saúde e assistência social, enfatizando a importância do acesso à Justiça. A Constituição Federal, em seu artigo 230 (2), estabelece que a família, a sociedade e o Estado devem amparar os idosos, criando um contexto legal que busca garantir o respeito e a proteção de seus direitos.
Desde sua promulgação, diversas normativas e leis complementares têm surgido, reforçando os direitos dos idosos. O Código de Processo Civil de 2015, por exemplo, trouxe disposições que asseguram a prioridade na tramitação de processos para pessoas com 60 anos ou mais, conforme disposto no artigo 1.048 (3). Essa mudança é crucial para que os idosos possam ter um acesso mais rápido e eficiente ao sistema judiciário.
Entretanto, a efetividade dessas legislações depende de sua aplicação prática nos tribunais. Embora exista um arcabouço teórico sólido, o desafio persiste na implementação e fiscalização da prioridade na tramitação de processos que envolvem pessoas idosas.
Um estudo recente, realizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, revelou uma discrepância significativa entre a teoria e a prática. A pesquisa chegou a 271 milhões de registros de processos com pessoas físicas entre as partes, das quais foram identificados 8,9 milhões de processos envolvendo partes idosas (4).
Dos 8,9 milhões de processos, foram analisados em profundidade 237 casos — 20 federais, 190 estaduais e 27 ações civis públicas. Os dados revelaram que, em média, a tramitação de processos envolvendo pessoas idosas foi mais lenta do que a média geral, com uma diferença de aproximadamente um mês em alguns casos. Em tribunais estaduais, o tempo médio de espera para a conclusão de processos envolvendo idosos chegou a ser maior do que para a população geral, evidenciando uma falha na prioridade que deveria ser assegurada.
Particularmente preocupante foi a situação em Minas Gerais, onde o tempo médio de espera dos processos envolvendo idosos foi significativamente maior, tanto entre o início do processo e o primeiro julgamento quanto entre o início e a baixa do processo. Isso é alarmante, considerando que muitos dos processos relacionados a essa população tratam de questões urgentes, como prioridade no atendimento, direitos previdenciários, medidas protetivas e curatelas, direito à saúde, assistência social, abusos e violência.
Apesar dos avanços normativos, a realidade prática mostra que ainda existem lacunas significativas. O atendimento prioritário, essencial para garantir a dignidade e o acesso à Justiça dos idosos, muitas vezes não é respeitado. Os desafios enfrentados por essa população são amplos e complexos, envolvendo não apenas o sistema judiciário, mas também políticas públicas que garantam uma melhor qualidade de vida para os idosos.
O estudo também destacou que a falta de varas especializadas e a tendência de tratar questões relacionadas aos idosos como subtemas em categorias mais amplas, como “populações vulneráveis”, podem impactar negativamente a efetividade da Justiça. Essa ausência de competência exclusiva nas unidades judiciárias deve ser analisada, pois pode estar contribuindo para a lentidão na tramitação de processos.
Em suma, os 21 anos do Estatuto do Idoso representam um importante marco na luta pelos direitos da população idosa no Brasil. Contudo, a transição da teoria à prática continua sendo um desafio. É essencial que todos os envolvidos — desde legisladores a magistrados — se comprometam a transformar as garantias legais em ações concretas, promovendo um ambiente mais justo e equitativo para todos os cidadãos, independentemente da idade.
Somente com um compromisso efetivo na implementação das leis e na valorização dos direitos dos idosos poderemos celebrar o Estatuto não apenas como uma conquista legal, mas como um reflexo de uma sociedade que respeita e valoriza seus cidadãos mais velhos.
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Fontes:
(1) Brasil. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. Acesso em 03/10/2024. Disponível aqui.
(2) Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
- 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
- 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
(3) Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:
I – em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave, assim compreendida qualquer das enumeradas no art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988;
II – regulados pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) .
III – em que figure como parte a vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)
IV – em que se discuta a aplicação do disposto nas normas gerais de licitação e contratação a que se refere o inciso XXVII do caput do art. 22 da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)
- 1º A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.
- 2º Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.
- 3º Concedida a prioridade, essa não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite ou do companheiro em união estável.
- 4º A tramitação prioritária independe de deferimento pelo órgão jurisdicional e deverá ser imediatamente concedida diante da prova da condição de beneficiário.
(4) Conselho Nacional de Justiça. Análise da tramitação de processos relacionados às pessoas idosas no Brasil. Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento – Brasília: CNJ, 2024. Acesso em 01/10/2024. Disponível aqui.