Revogação de doação por ingratidão
Não é de conhecimento geral que o ordenamento jurídico brasileiro tutela um sentimento ou conduta humana tão íntima e relativa como é a ingratidão. Isto é, pois o Código Civil de 2002 tratou de tutelar o direito de revogação de doação por ingratidão do beneficiário (donatário).
O regime jurídico da revogação das doações encontra-se disposto nos artigos 555 a 564 do Código Civil. Assim, a revogação da doação pode ocorrer por inexecução de encargo previsto no negócio jurídico ou pela ingratidão.
Nesta análise, abordaremos a hipótese da ingratidão. O direito do doador de revogar a doação por ingratidão é potestativo, isto é, não depende da anuência do donatário, visto que este não poderá se opor. Contudo, destaca-se que este direito nasce somente frente a alguns comportamentos do donatário previstos em lei como atitudes capazes de configurar a ingratidão.
Portanto, segundo o artigo 557 do Código Civil Brasileiro, a doação poderá ser revogada por ingratidão se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele, se cometeu contra ele ofensa física, se o injuriou gravemente ou o caluniou ou, se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava. Somado a isso, o artigo subsequente dispõe que também pode ocorrer a revogação se o ofendido for o cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador.
Não obstante, é importante salientar que segundo a doutrina majoritária, este rol do artigo 557 é de natureza exemplificativa. Desse modo, de acordo com o Enunciado 33 do Conselho Federal de Justiça, o Código Civil tratou de admitir outras hipóteses de atitudes aptas a gerar a ingratidão frente ao doador. Diante disso, Pablo Stolze aduz que: “não há limites para a ingratidão humana. Assim sendo, a perspectiva de caracterização de ingratidão como violações da boa-fé objetiva pós contratual faz com que reconheçamos que ao contrário do que estava assentado na vigência do Código Civil brasileiro de 1916, o novo rol não é mais taxativo, aceitando, em nome do princípio, outras hipóteses, ainda que de forma excepcional” (Stolze, 2008). Ressalta-se que a posição de Stolze coincide com a posição de Nelson Rosenvald, Flávio Tartuce, bem como com a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Apesar disso, mesmo sendo o rol exemplificativo, é necessário que o ato de ingratidão seja, segundo Flávio Tartuce, de especial gravidade para gerar o direito de revogação da doação. Da mesma forma, entende o STJ que não basta que o ato apontado como desagradecido seja assim considerado pelo doador, mas pelo meio social no qual foi realizada a doação (STJ, REsp 1.350.464/SP). Um exemplo prático seria o caso em que Tício doa um celular ao seu colega Mévio, contudo, dias após a doação, Mévio já não mais cumprimenta ou sequer responde Tício. Seria essa uma hipótese de ingratidão jurídica? Segundo a posição da doutrina majoritária, não, pois não se trata de caso revestido de gravidade suficiente para ensejar o nascimento do direito de revogação da doação.
Ainda, é necessário apontar que, segundo o artigo 564 do Código Civil, não se revogam por ingratidão as doações puramente remuneratórias, as oneradas com encargo já cumprido, as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural ou as feitas para determinado casamento.
Por fim, cumpre destacar o prazo máximo para que este direito de revogação da doação seja exercido. Segundo o artigo 559 do mesmo Código, em hipótese de ingratidão, caso o doador deseje revogar a doação, ele deverá manifestar essa vontade em até um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o fato que o autorize a revogar seu ato. Assim, caso o doador não exerça seu direito de revogar a doação no prazo de um ano, seu direito decairá, ou na linguagem coloquial, “caducará”.
Portanto, faz-se necessária a devida atenção tanto do doador, quanto do donatário, com vistas a adequar suas atitudes à legislação brasileira. Destarte, o doador deve guardar devida atenção ao prazo decadencial de seu direito para não perdê-lo e, o donatário deve atentar-se a não manter comportamentos aptos a configurar eventual ingratidão, para que assim conserve a propriedade auferida na doação.