STJ define duração indeterminada para medidas protetivas na Lei Maria da Penha
Em 26 de abril de 2024, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais nº 2.070.717/MG, 2.070.857/MG, 2.070.863/MG e 2.071.109/MG, para definir as questões em torno da natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e da possibilidade de fixação de prazo determinado para sua vigência. Estes recursos são parte da controvérsia representativa nº 564, do STJ, voltada ao enfrentamento da violência doméstica contra a mulher (1).
No julgamento dos recursos repetitivos, cujo Tema levou a numeração 1.249, a Terceira Seção do STJ (2) determinou que as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha deveriam ser aplicadas enquanto houvesse risco para a mulher, sem a necessidade de definir um prazo específico para sua validade. O colegiado do STJ também afirmou que essas medidas têm caráter de tutela de natureza inibitória e não dependem de outros elementos procedimentais, como inquérito policial ou processo penal.
O Ministro do STJ Rogério Schietti Cruz, autor do voto vencedor, destacou que a recente alteração legislativa (Lei nº 14.550/2023), que introduziu o parágrafo 5º no artigo 19 da Lei Maria da Penha (3), reforçou que as medidas protetivas podem ser concedidas independentemente da tipificação penal, do início de ação judicial, da existência de inquérito ou da lavratura de boletim de ocorrência (4). O Ministro explicou que a intenção da mudança legislativa teve como objetivo afastar a ideia de que as medidas seriam exclusivamente cautelares, sublinhando que o risco de violência doméstica pode persistir, mesmo sem inquérito policial, arquivamento de processo ou ausência de denúncia.
Além disso, a alteração no artigo 19 da Lei Maria da Penha, com o parágrafo 6º (5), determina que as medidas protetivas de urgência devem permanecer enquanto persistir o risco à integridade física, psicológica ou moral da vítima ou de seus dependentes. Isso implica que a duração das medidas não depende do andamento do processo penal.
Esse entendimento, segundo o voto vencedor, não prejudica os direitos do acusado, que pode solicitar ao Juiz a revisão ou revogação das medidas quando considerar que não há mais necessidade de proteção. O Ministro também alertou que exigir que a mulher peça periodicamente a renovação das medidas protetivas causaria revitimização e violência institucional.
Em um dos casos afetados, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) solicitou que as medidas protetivas, inicialmente estabelecidas por 06 meses, fossem mantidas sem prazo determinado. O STJ concordou que as medidas deveriam durar enquanto persistisse o risco, não sendo possível prever sua duração de forma antecipada. A decisão consolidou a tese de que as medidas protetivas de urgência podem ter validade por tempo indeterminado, sendo aplicáveis enquanto o risco à mulher continuar presente.
O julgamento do Tema 1.249 dos recursos repetitivos resultou na aprovação de 04 teses, que foram fixadas pela Terceira Seção do STJ: (i) natureza jurídica e imediata vigência: as medidas protetivas de urgência possuem a natureza de tutela inibitória, ou seja, buscam evitar danos iminentes. Sua aplicação independe da existência de boletim de ocorrência, inquérito policial ou processo cível ou criminal, (ii) vigência e duração: a duração dessas medidas está diretamente relacionada à manutenção do risco, sendo estabelecida por prazo indeterminado, enquanto a situação de perigo permanecer presente, (iii) impacto de arquivamento ou extinção da punibilidade: o arquivamento do inquérito ou a ocorrência de causa que extinga a punibilidade não resultam automaticamente na revogação das medidas protetivas, já que o risco à mulher pode continuar existindo e (iv) reavaliação e revogação: embora não exista um prazo fixo para a revisão das medidas, elas devem ser reavaliadas pelo Juiz, seja de ofício ou a pedido da parte interessada, quando houver possibilidade de cessação do risco. A revogação deve ser precedida da oitiva da vítima e do acusado.
Em seu voto vencedor, o Ministro Rogério Schietti Cruz explicou que a opção legislativa ao alterar a Lei Maria da Penha foi não subordinar as medidas protetivas a procedimentos principais, nem vincular sua duração ao resultado de processos penais, já que a eventual absolvição do réu ou o arquivamento do inquérito não significam, necessariamente, o fim do risco à mulher.
Em suma, a decisão em questão é de extrema importância, pois preenche uma lacuna que persistia na aplicação da Lei Maria da Penha. Embora a Lei já determinasse que as medidas protetivas devessem durar enquanto houvesse o risco à vítima, muitos juízes ainda fixavam prazos para sua validade. Isso demonstrava uma interpretação incoerente da norma. O julgamento do Tema 1.249 dos recursos repetitivos trouxe a uniformização da jurisprudência, que é crucial para garantir a efetividade da legislação.
Vale ressaltar que as medidas protetivas de urgência são uma ferramenta de proteção aos crimes ainda mais graves contra as mulheres, sendo fundamentais para garantir a segurança e a dignidade das vítimas, e têm se mostrado essenciais para salvar vidas e promover a justiça no contexto da violência doméstica.
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Fontes:
(1) Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Discute-se a natureza jurídica das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha e a (im)possibilidade de fixação, pelo magistrado, de prazo predeterminado de vigência da medida (Tema 1249 – STJ). Acesso em 22/11/2024. Disponível aqui.
(2) Superior Tribunal de Justiça. Precedentes qualificados. Tema Repetitivo 1249. Acesso em 22/11/2024. Disponível aqui.
(3) Art. 1º. O art. 19 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º: “Art. 19. …..(…) §5º. As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
(4) Presidência da República. Casa Civil. Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos. Lei nº 14.550. de 19 de abril de 2023. Acesso em 22/11/2024. Disponível aqui.
(5) Art. 1º. O art. 19 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º: “Art. 19. …..(…) § 6º As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.”