A interposição de Agravo de Instrumento em uma análise do Tema Repetitivo n.º 1.022 do Superior Tribunal de Justiça
O Agravo de instrumento é o recurso previsto no Código Processo Civil para a impugnação (e consequente reforma) de algumas das decisões chamadas de interlocutórias. Decisão interlocutórias são aquelas que não encerram a fase cognitiva do processo, mas têm o poder de determinar questões pontuais em cada caso, como exemplo, quando o Juiz defere ou indefere um pedido de liminar, o benefício da Justiça Gratuita, o ingresso de um terceiro ou a produção de uma prova, por exemplo.
No CPC/1973, o Agravo de Instrumento era cabível contra todas as decisões interlocutórias, desde que demonstrado o requisito de urgência, isto é, de necessidade que o Tribunal se manifestasse sobre aquela questão de imediato. Já com o advento do Código de Processo Civil de 2015, este recurso apresentou algumas modificações significativas. Baseando-se, principalmente, nos princípios da celeridade e da efetividade, foi instituído um rol taxativo das decisões que admitem a interposição de Agravo de Instrumento, disposto nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015. Naquelas situações em que este recurso não for cabível, deverá ser feita a impugnação da questão interlocutória apenas preliminar de apelação ou contrarrazões de apelação, depois da sentença, conforme determinação do art. 1.009, § 1º do CPC/2015. É o que se convencionou chamar de recorribilidade diferida.
O Agravo de Instrumento é, outrossim, cabível em todo e qualquer tipo de processo, tanto no procedimento comum e quanto nos especiais, sejam eles de jurisdição voluntária ou contenciosa. Ele é cabível, inclusive, nos processo de execução.
Apesar da redação do art. 1.015 do CPC/2015 ser relativamente recente, algumas mudanças vêm ocorrendo na sua interpretação, já que é com a análise de casos concretos – e os desafios e complexidades deles decorrentes – que se verifica a pertinência e aplicação das leis criadas pelo legislador. No caso das decisões interlocutórias, algumas são as hipóteses de situações não abarcadas pelo art. 1.015 do CPC/2015, mas que demandam recorribilidade imediata, sob pena de inutilidade da impugnação na apelação.
Em recente entendimento do STJ, através da análise do tema repetitivo 988, no julgamento do REsp 1.704.520/MT, foi fixada a tese da “taxatividade mitigada do art. 1.015 do CPC/2015″. Segundo o voto da ministra relatora, Nancy Andrighi, um rol terminantemente taxativo se revela em descompasso com os valores instituídos pelo Código de Processo Civil, na medida em que permanecem situações urgentes fora do rol do cabimento do agravo. Por outro lado, a interpretação analógica ou extensiva é igualmente inadequada, na medida em que acaba por desnaturar o objetivo do estabelecimento de um rol para a recorribilidade imediata. Assim, a conclusão da Ministra é a de que o rol do art. 1.015 do CPC/2015 é taxativo, porém possui uma taxatividade mitigada, de modo que, quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação, a parte pode interpor Agravo de Instrumento mesmo que a matéria não esteja inscrita no rol do art. 1.015 do CPC/2015.
Desse modo, seguindo a mesma direção desse precedente, uma nova decisão do STJ, no Tema Repetitivo n° 1.022, decidido por unanimidade, no dia 03/12/2020, pela 2ª Seção, definiu a possibilidade do cabimento de Agravo de Instrumento em face de qualquer decisão interlocutória proferida nos autos dos processos de Recuperação e Falência.
A Corte, em sua decisão, considerou que as decisões realizadas nos processos de Recuperação e Falência possuem grande invasividade e gravidade, e tratam sobre questões de índole satisfativa, que são incompatíveis com o regime da recorribilidade diferida. Ademais, considerou-se que, no tocante à Recuperação Judicial, esta possui regime de liquidação e execução negocial das dívidas. Já a Falência possui regime de liquidação e execução coletiva das dívidas da pessoa jurídica falida. Portanto, ambas as hipóteses podem se amoldar ao parágrafo único do artigo 1.015 do CPC/2015.
Essa decisão é de extrema importância para os procedimentos de Falência e Recuperação Judicial, que têm aumentado significativamente em virtude do agravamento da crise econômica decorrente da pandemia da COVID-19, em razão de algumas especificidades.
No que se refere à Recuperação Judicial, de acordo com o art. 63 da Lei 11.105/2005, a sentença de encerramento da Recuperação Judicial somente será proferida após o cumprimento de todas as obrigações previstas no plano, que tenham se vencido no prazo de dois anos após a aprovação deste. E, no que tange à Falência, a sentença de encerramento somente é proferida após a realização dos ativos e pagamentos dos credores, seguida da apresentação de relatório final pelo Administrador Judicial, não havendo prazo para que isso ocorra.
Dessa maneira, caso essas decisões somente pudessem ser atacadas com recurso de apelação, muitas questões no decorrer do processo não poderiam ser discutidas em outra instância, de imediato, o vai em desacordo com o princípio do duplo grau de jurisdição, que como regra garante a realização de um novo julgamento, por parte dos órgãos superiores, das decisões proferidas em primeira instância, garantindo, assim, decisões mais justas e capazes de atender todas as partes, sejam os falidos, os recuperandos ou os credores.
Tendo em vista a grande pertinência do Tema 1.022, este foi objeto da emenda trazida pela Lei 14.112/2020 para a lei de falências, consolidando em lei, no inciso II do art. 189, da Lei 11.105/2005, que “as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei prever de forma diversa”.
Assim, com as recentes decisões do STJ, em rito repetitivo, que são consideradas precedentes vinculantes para os juízes e os tribunais, de acordo com o art. 927, III do CPC/2015, bem como, a emenda prevista pela lei 14.112/2020, verifica-se a existência de um processo de Recuperação e Falência, mais justo, mais célere, mais eficiente e capaz de assegurar o cumprimento de seus objetivos de forma a respeitar os princípios processuais e uma tentativa de recuperação da economia, que se encontra bastante abalada.
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