As mudanças no cálculo dos juros de mora e da correção monetária a partir da lei 14.905/2024

Por Publicado em: 5 de julho de 2024Categorias: Análise

No dia 28/06/2024, foi promulgada a Lei nº 14.905/2024, que alterou, em síntese, a forma de cálculo dos juros de mora e da correção monetária nas obrigações civis.

Todavia, antes de se adentrar propriamente nas modificações, bem como nos impactos que se espera que elas tenham, faz-se necessário explicar o que são e quais são as finalidades dos juros de mora e da correção monetária.

Os juros correspondem aos rendimentos do capital, isto é, aos frutos civis decorrentes do próprio dinheiro e se subdividem em dois grandes grupos: os remuneratórios/compensatórios e os moratórios. Segundo Venosa[1], os juros remuneratórios são aqueles pagos pela utilização consentida de capital alheio, como nos contratos de mútuo. Por sua vez, conforme ensina Gonçalves[2], os juros moratórios são devidos em razão do inadimplemento do devedor, a partir da sua constituição em mora, de forma a não apenas compensar o credor, mas, também, de punir o devedor pelo atraso no pagamento.

Já a correção monetária é o ajuste feito para que determinado montante não perca seu poder aquisitivo em razão do tempo[3]. Justifica-se a medida em razão da inflação, fenômeno econômico que, naturalmente, faz com que um montante perca o seu poder aquisitivo em razão do tempo.

Em que pese tais conceitos sempre tenham sido abarcados pelo Direito Brasileiro, há grandes controvérsias principalmente no que diz respeito à definição dos índices e taxas aplicáveis, uma vez que, na redação original do Código Civil de 2002, não havia previsão específica sobre o tema. A título de exemplo, o art. 389 do referido Código assim dispunha: “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualizações segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos”.

Em razão da falta de clareza da letra legal, criaram-se diversas correntes sobre qual seria a taxa aplicável aos juros de mora, bem como à correção monetária. Nesse sentido, em matéria tributária por exemplo, a Fazenda Nacional, desde a promulgação da Lei nº 9799/99, vem aplicando a Taxa Selic, que já engloba ambos os encargos.

Todavia, nos contratos civis, a prática não era a mesma. Através de uma interpretação da antiga redação do art. 406 do Código Civil, consubstanciada à do art. 161 do Código Tributário Nacional, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência[4] convergiam para o entendimento de que os juros de mora deveriam ser de 1% (um por cento) ao mês e de 12 % (doze por cento) ao ano. Por outro lado, como prática costumeira, na falta de previsão contratual, os Tribunais[5] entendiam, majoritariamente, pela aplicação do índice de correção monetária calculado pela sua própria corregedoria, em detrimento de outros como o IPCA, IGPM ou ICC.

No entanto, com a promulgação da Lei nº 14.905/2024, esse cenário mudou. A nova redação do Código Civil agora prevê que, salvo estipulação das partes, a correção monetária será calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por sua vez, os juros de mora serão calculados através da subtração da taxa SELIC pelo IPCA no período em referência e, caso haja resultado negativo, os juros são considerados como zero. Ressalta-se que, para facilitar os cálculos, o Banco Central deverá disponibilizar uma plataforma para a simulação dos valores corrigidos e atualizados.

Veja-se o quadro comparativo antiga para a nova redação do Código Civil, com foco nas principais mudanças trazidas:

Contudo, apesar de a nova lei ter padronizado a aplicação dos juros moratórios e dos índices de correção monetária no Brasil, parte da doutrina[6] já se posicionou contrariamente à nova medida, principalmente no que tange à possível desvirtuação função punitiva dos juros de mora.  Justifica-se tal fato pela iminente desoneração dos encargos do devedor inadimplente, que dificilmente superarão o patamar antigo de 12% (doze por cento), e, ainda, pela possibilidade de que uma obrigação, inadimplida por um mesmo período de tempo, mas em épocas diferentes, leve a consequências diversas.

Assim, nota-se que, ainda que seja louvável a intenção do legislador em padronizar a aplicação dos juros e da correção monetária nos contratos civis brasileiros, a medida adotada parece, ao menos em um primeiro momento, equivocada. Por um lado, ter-se-á uma maior segurança quanto às taxas e índices adotados, mas, por outro, haverá uma maior imprevisibilidade quanto ao valor dos juros, que poderá variar a depender de quando houver o inadimplemento, e, pior que isso, com a provável redução dos encargos ao devedor moroso, pode-se estar diante de um “incentivo” ao inadimplemento.

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[1] VENOSA, Silvio. Curso de Direito Civil, v.2, p.257

[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraivajus, 2021, p.425.

[3] FALCÃO, Almir. Correção Monetária. Revista de Direito Público: São Paulo, p. 63.

[4] (EDcl no AgRg no AREsp n. 49.595/RS, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 11/11/2014, DJe de 19/11/2014.)

[5] (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.24.111657-3/001, Relator(a): Des.(a) Shirley Fenzi Bertão , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/07/2024, publicação da súmula em 03/07/2024)

[6] TARTUCE, Flávio. Publicado aqui em 01/07/2024. Consulta em 05/07/2024.

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Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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