A nova Lei Municipal em Belo Horizonte sobre os Comitês de Resolução de Disputas

Por Publicado em: 23 de julho de 2020Categorias: Análise

 

A nova Lei Municipal em Belo Horizonte sobre os Comitês de Resolução de Disputas

 

por Luiz Eduardo de Avila Guimarães

 

Em junho de 2020, foi promulgada a Lei Municipal nº. 11.241/20, em Belo Horizonte, que regulamenta a previsão dos Dispute Resolution Boards (“DRB”) ou Comitê de Resolução de Disputas (“CRD”) nos contratos administrativos de execução continuada. A Lei prevê que todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta, do Município de Belo Horizonte, poderão se valer do CRD como meio de resolução de conflitos sobre direitos patrimoniais nos contratos administrativos de duração prolongada.

O CRD é um meio extrajudicial de prevenção e resolução de conflitos de natureza contratual. Via de regra, a alternativa consiste em um comitê composto por profissionais com larga experiência técnica sobre a matéria contratual, sempre em número ímpar, escolhidos pelas partes, que ficam responsáveis por acompanhar a execução do contrato, no intuito de prevenir e solucionar disputas durante a sua execução.

O comitê atua, desde o início da contratação, para, na hipótese de eventual controvérsia, solucioná-la por meio de recomendações ou decisões com grande velocidade e qualidade técnica. Trata-se de uma alternativa vantajosa para contratos de execução diferida, continuada no tempo, como contratos de infraestrutura e construção, em que as partes precisam manter a harmonia da relação por um período de tempo prolongado.

Além disso, a previsão do CRD pode ser interessante, na medida em que as partes fixam, de antemão, a forma como os conflitos serão tratados pelo comitê. Vale dizer, há ampla margem de escolha para flexibilização das estruturas contratuais em que os boards são desenhados, consistindo um meio verdadeiramente feito à medida do interesse dos contratantes (built to suit), de forma customizada.

Via de rega, as partes optam por ter no comitê profissionais experientes na matéria objeto do contrato (construção civil, mercado financeiro, infraestrutura), sempre em conjunto com um advogado que igualmente tenha expertise técnica no tema do contrato. Esses profissionais formam o comitê que atuará ao longo de todo o desenvolvimento do projeto.

A atuação deste comitê assume, geralmente, dois formatos, ressalvada a possibilidade das partes convencionarem outra estrutura. No primeiro formato, o comitê atua por meio de recomendações direcionadas às partes, para prevenir ou solucionar uma questão contratual controvertida (Dispute Review Boards). Havendo discordância de uma das partes sobre a recomendação, ela poderá se insurgir, sem maiores consequências, levando a questão para a arbitragem (ou para o judiciário estatal), nos termos da cláusula de resolução de conflitos do contrato.

Em um segundo plano, o comitê atua por meio de decisões vinculativas (Dispute Adjudication Board). Assim, diante da questão controvertida, as partes deverão seguir a decisão proferida pelo board. Caso uma das partes discorde da decisão, descumprindo-a, incorrerá em inadimplemento contratual e, dessa forma, a questão seguirá para a arbitragem (ou para o foro estatal), com a aplicação dos remédios legais e contratuais previstos para o descumprimento do contrato.

No regramento contido na nova Lei Municipal sobre o tema, há a previsão, no § 2º, do artigo 1º, de que o contrato administrativo, bem como o instrumento convocatório da licitação, deverão dispor expressamente sobre o Dispute Board. Em paralelo, o contrato deve prever qual a função do comitê, sua forma de atuação e processamento das questões a ele submetidas. Além disso, o artigo 3º possibilita a previsão de normas institucionais para reger o comitê, como por exemplo o Regulamento sobre Dispute Boards da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial – CAMARB.

Em linhas gerais, a Lei dispõe que o CRD será formado por três profissionais, sendo um escolhido pelo órgão da Administração Pública, outro escolhido pelo contratado, e um terceiro, que atuará como presidente, pelo comum acordo das partes (artigo 5º). Escolhidos os profissionais, o comitê poderá assumir três funções no contrato.

A função adjudicatória ocorrerá quando o contrato prever que a decisão do comitê será, desde sua emissão, vinculante (Dispute Adjudication Board). Por outro lado, o comitê atuará com função revisora quando o contrato determinar que sua tarefa é proferir recomendações às partes sem, contudo, vinculá-las (Dispute Review Board). Em última análise, o comitê poderá assumir uma função híbrida. Nessa hipótese, a redação contratual permitirá que o painel profira decisões vinculantes e recomendações, a depender do pedido feito pela parte que apresentar a controvérsia.

Ainda, é importante ressaltar que os Disputes Boards são, habitualmente, conjugados com cláusula arbitral. Tal combinação é permitida, na medida em que o artigo 1º, §1º, da Lei 9.307/96, viabiliza a arbitragem envolvendo a Administração Pública, quando a controvérsia abordar direitos patrimoniais disponíveis. Nesse cenário, o artigo 2º da Lei Municipal 11.241/20 prevê a submissão do conflito ao órgão arbitral ou judicial competente, nos casos em que as partes não solucionarem a controvérsia por meio das decisões ou recomendações proferidas pelo comitê.

Por fim, sublinha-se que o método dos Dispute Boards Resolution vem ganhando cada vez mais espaço no Brasil. Esse avanço é positivo, na medida em que a experiência internacional registra que cerca de 60% dos contratos que preveem CRD foram finalizados sem conflitos, ao passo que, 98% dos conflitos que surgem são resolvidos pelo método, sem desencadear pleito arbitral ou judicial na sequência*. Desse modo, a iniciativa do Município de Belo Horizonte configura grande avanço ao possibilitar a utilização da ferramenta pela Administração Pública Municipal.

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Luiz Eduardo de Avila Guimarães é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e integrante do time de profissionais do escritório.

* Os dados foram obtidos na página do Dispute Resolution Board Fundation: https://www.drb.org/publications-data/drb-database/. Acesso em 22/07/2020.

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