As regras da IBA sobre produção de provas de 2020

Por Publicado em: 5 de janeiro de 2022Categorias: Análise

As Regras da IBA sobre Produção de Provas em Arbitragem Internacional, mais conhecidas com IBA Rules on the Taking of Evidence, são algumas das mais famosas soft laws que permeiam o mundo da arbitragem e têm função essencial na resolução de conflitos, especialmente em se tratando de arbitragens internacionais.

A produção probatória é imprescindível para que o Tribunal Arbitral possa ter uma visão completa dos fatos submetidos à sua análise, contudo, em arbitragens internacionais esse momento pode ser extremamente difícil. Isso porque, não é raro que nesses cenários existam partes de tradições jurídicas completamente distintas ou até mesmo inexperientes na arbitragem internacional.

É justamente nesse contexto que nascem as Regras da IBA, em 1983, visando ser um instrumento de apoio às partes e ao Tribunal Arbitral, e suplementar eventuais conflitos entre diferentes normas de produção probatória. As Regras foram revistas em 1999 e em 2010, ambas as vezes com profundas e significativas alterações, que incorporavam as mudanças sofridas no instituto da arbitragem e, especialmente, as novas demandas observadas em diversos procedimento arbitrais.

Em 2019 teve início o novo trabalho de revisão das Regras, que terminou em 2020, com a nova publicação em 17 de fevereiro de 2021. As novas Regras da IBA trazem mudanças e inovações, que serão exploradas brevemente nesse comentário.

A comparação entre as Regras de 2010 e as novas Regras mostra que a revisão não gerou grande quantidade de mudanças, contudo, percebe-se um notável esforço em normatizar práticas que já eram observadas na arbitragem internacional. Além disso, com as profundas alterações ocasionadas pela pandemia da COVID-19, a arbitragem também teve de se adaptar ao novo normal, e isso também pode ser percebido nas Regras.

A primeira grande e notável mudança diz respeito à crescente preocupação com temas relacionados à segurança cibernética e à proteção de dados. Desde 2010 pode-se observar, não só na arbitragem, mas em todos os campos do direito, o cuidado com essas áreas. Isso é refletido na promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados, no Brasil, e da European Union’s General Data Protection Regulation.

No contexto das Regras da IBA, essa preocupação foi incorporada no art. 2.2, que assim determina:

2.  A consulta sobre questões de prova poderá abranger o escopo, o momento e o modo da produção de provas, incluindo, à extensão aplicável:

(e) o tratamento de qualquer questão de segurança cibernética e proteção de dados”.

Essa previsão é de suma importância, especialmente em se considerando a natureza de diversas disputas arbitrais que podem incluir, como evidência, documentos contendo dados sigilosos de terceiros. Apesar da confidencialidade inerente ao instituto ser um mecanismo de proteção, a consulta às partes acerca dos temas de segurança cibernética e proteção de dados em específico, é uma evolução bem-vinda. Nesse sentido, é importante lembrar, por exemplo, das notícias de ataques hackers ao site da Permanent Court of Arbitration, ligados à disputa entre China e Filipinas.

Além dessa inovação, outra novidade pode ser observada no art. 8.2 das Regras. Esse artigo passa a prever, expressamente, a possibilidade de realização de audiências virtuais, uma inclusão diretamente ligada às mudanças impostas pela pandemia da COVID-19.

As Regras estabelecem que as partes podem requerer que as audiências sejam realizadas virtualmente. É determinado que o Tribunal Arbitral também pode impor essa medida, após consultar as partes. Sendo acordada a medida, as Regras indicam que as partes, em conjunto com o Tribunal, devem estabelecer um protocolo para garantir que a audiência ocorra de maneira eficiente e justa.

Outra alteração digna de nota refere-se à regulação da produção de prova documental. Nesse sentido o art. 3.3 passa a determina que, nos casos em que uma parte requere a produção de um documento específico, e a outra parte contesta esse requerimento, o Tribunal Arbitral pode determinar que a parte que pleiteia essa produção, responda à objeção da contraparte. O art. 3.10 também foi modificado. Anteriormente, apenas a parte a quem era endereçado o requerimento de produção de documentos poderia contestar esse requerimento. Com as mudanças, qualquer parte pode contestar pedidos de produção de prova documental, com base nos arts. 9.2 e 9.3 das Regras.

Outra novidade, relacionada à prova documental, que deve ser indicada, diz respeito à previsão de tradução de documentos. As Regras de 2010 eram criticadas pela ausência de definição clara acerca de quando deveria haver a tradução desses materiais. Dessa maneira, o art. 3.12 (e) passou a estabelecer que documentos entregues em decorrência de um requerimento de documentos não precisam ser traduzidos, apenas aqueles documentos que serão submetidos ao Tribunal devem ser traduzidos.

Também se ressaltam as mudanças referentes a depoimentos de testemunhas e laudos periciais. Em ambos casos foi incluída nova previsão nas Regras, indicando que poderão ser submetidos ao Tribunal fatos complementares ao testemunho ou laudo, desde que esses fatos não estivessem disponíveis anteriormente.

Por fim, foi incluída nova disposição ao artigo 9, que disciplina a admissão e análise das provas submetidas ao crivo do Tribunal Arbitral. O art. 9.3 passa a impor, expressamente, a possibilidade de o Tribunal, de ofício ou a requerimento das partes, excluir do procedimento provas obtidas ilegalmente.

Apesar das modificações trazidas pela revisão, um dos principais pontos de disputa entre as partes, no que diz respeito à produção probatória, segue sendo tratado de forma ineficiente pelas Regras: documentos protegidos sob sigilo legal. O art. 9.2(b) estabelece que o Tribunal Arbitral pode excluir da produção probatória qualquer material que esteja protegido por impedimento legal ou sigilo profissional “sob as regras legais ou éticas determinadas pelo Tribunal Arbitral como aplicáveis”. No âmbito da arbitragem internacional pode-se ter, na prática, partes advindas de locais com regras completamente distintas acerca do tema. Dessa forma, pode ser difícil determinar quais normas serão aplicáveis, especialmente se a lei indicada pelas partes como a lei aplicável à arbitragem não regular a questão.

Assim, as novas Regras da IBA exercem com primazia a sua função de auxiliar Tribunais Arbitrais na condução da produção probatória. O grupo responsável pela revisão das normas tomou o cuidado de normatizar práticas há muito observadas na arbitragem, e se atentou para questões cada vez mais pertinentes, como a proteção de dados e a realização de audiências remotas. Contudo, apesar desses novos, e necessários, desenvolvimentos, ainda persistem questões a serem abordadas pelas Regras em uma próxima revisão.

Conteúdo produzido por Luiza Correa Lima Lopes.

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