Juros Legais: uma interface econômica do Direito

Por Publicado em: 31 de agosto de 2020Categorias: Análise

 

Juros Legais: uma interface econômica do Direito

por Luiz Eduardo de Avila Guimarães*

O tema dos juros legais, por sua interface política-econômica, sempre foi alvo de grande debate jurídico. Atualmente, este debate ganha maior relevância, visto que o cenário econômico do pais passou por alterações substanciais nas últimas décadas, principalmente quando considerada a variação da taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia, a “Taxa Selic”.

No debate sobre juros legais, a Taxa Selic ganha espaço, a partir da divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a redação do artigo 406 do Código Civil. Esta norma define o valor dos juros legais como aquele cobrado pela “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”. Assim, o impasse se encontra na definição da taxa aplicada em caso de mora do pagamento de impostos exigidos pela Fazenda Nacional. A definição desta taxa determinará o índice dos juros legais.

Neste contexto, sem a pretensão de esgotar o assunto, este texto visa, primeiramente, expor a divergência interpretativa sobre o tema. Em um segundo lugar, o leitor será levado a algumas reflexões sobre a interpretação majoritária e seus possíveis reflexos no cenário econômico atual. Por fim, em um terceiro momento, pretende-se uma conclusão sem, contudo, adotar uma das correntes interpretativas apresentadas.

Para familiarizar o tema, antes de adentrar à divergência produzida pelo artigo 406 do Código Civil, faz-se necessária breve síntese sobre o conceito jurídico de juros legais.

Juros legais são aqueles fixados por Lei. Eles incidem quando uma norma do ordenamento assim o determina. Paralelamente, quando as partes convencionam a incidência de juros, mas não estipulam taxa para tanto, esta será equivalente àquela fixada pela Lei.

Outra relevante função da taxa de juros determinada pelo Código Civil é apontar o limite para as partes estipularem taxas contratuais. Isso porque, o artigo 1º da Lei de Usura, veda a estipulação de juros contratuais superiores ao dobro da taxa legal. Aqui, cabe informar que, nos termos da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, as instituições financeiras, como bancos, não estão sujeitas ao limite imposto pela Lei de Usura.

Assente o conceito de juros legais, passa-se à análise dos principais argumentos que sustentam as duas diferentes interpretações dadas ao artigo 406 do Código Civil.

Uma das linhas interpretativas, afirma que a taxa de juros escolhida pelo legislador seria a Taxa Selic. O índice, então, seria equivalente aquele aplicado aos títulos públicos federais. Para sustentar essa definição, boa parte da doutrina afirma que o legislador optou por uma taxa variável ao redigir a expressão “a taxa que estiver em vigor”. Caso contrário, na hipótese de escolha de uma taxa fixa, o legislador teria apontado expressamente no Código Civil, assim como era no artigo 1.063 do Código anterior que definia os juros legais em 0,5% (zero vírgula cinco por cento) ao mês.

Outro argumento levantado em defesa da Selic, relata que a taxa fixada pela corrente interpretativa oposta, de 1% (um por centro) ao mês, prevista no artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN), é uma disposição supletiva, na medida em que só é aplicada quando não há Lei especial definindo o índice de juros cobrados pela mora no pagamento de impostos à Fazenda Pública. A Lei 9.340/95 é bastante citada neste contexto, pois seus artigos 5 e 61 indicam a Selic como taxa de juros aplicável, respectivamente, às quotas em atraso do Imposto de Renda e aos demais débitos tributários recolhidos pela Secretaria da Receita Federal. Por conseguinte, e considerando outras disposições tributárias que adotam a Selic, a redação do artigo 406 do Código Civil remeteria os juros legais a esta taxa, ainda que variável.

Destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de aplicar a taxa Selic como juros legais. No julgamento do REsp 1.102.552/CE, a Primeira Seção da Corte Superior, ao analisar o tema, alertou que a “incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem”*.

Por outro lado, a corrente majoritária, na doutrina, entende que os juros legais seriam de 1% (um por cento) ao mês. A conclusão ocorre pela interpretação da expressão “que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” como sendo referente ao artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN). Esta norma de Direito Tributário prevê que, na ausência de disposição legal contrária, os juros de mora, incidentes nos créditos que não são pagos a tempo e modo, serão de 1% (um por cento) ao mês.

Vários argumentos são levantados para sustentar a taxa de 1% (um por cento) ao mês. Para este trabalho, basta apontar os principais. Parte da doutrina afirma que a adoção de uma taxa variável produziria insegurança jurídica. Assim, se a Selic fosse aplicada, os particulares não poderiam prever o índice de juros ditado em Lei, pois a taxa é variável e depende de fatores econômicos e políticos para sua definição pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central.

Há também quem argumente a onerosidade excessiva que seria provocada nas relações particulares com a adoção da Selic. Em seu histórico, a taxa básica de juros da economia brasileira atingiu altos patamares. Em 2003, ano em que entrou em vigor o atual Código Civil, a taxa chegou a ultrapassar 26% ao ano*.

Outro ponto levantado por essa corrente, afirma que a Selic representa taxa de juros remuneratórios, com adicional de correção monetária. Desse modo, a taxa não configuraria melhor opção para aplicação dos juros moratórios legais definidos pelo Código Civil. A melhor opção seria, então, uma taxa de juros reais, ou seja, sem qualquer tipo de correção monetária.

No contexto dos argumentos levantados, parte da jurisprudência nacional vem interpretando o artigo 406 do Código Civil a partir do CTN. À guisa de exemplo, alguns julgados dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e de São Paulo aplicam juros legais à 1% (um por cento) ao mês. O TJMG, citando expressamente o argumento relativo à segurança jurídica, em caso envolvendo a execução de uma nota promissória, determinou que “a aplicação da Taxa Selic não se mostra possível, vez que, a utilização da referida taxa como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, já que, impede ao executado de ter o prévio conhecimento do percentual a incidir sobre o débito”*.

Em paralelo, no âmbito do TJSP, há julgados que aplicam a taxa de 1% (um por cento) ao mês, fundamentando a opção a partir do Enunciado número 20 do Conselho de Justiça Federal, que, por sua vez, afirma a interpretação do artigo 406 do Código Civil a partir do CTN*. Ainda, outros precedentes aplicam o mesmo entendimento, sob a justificativa de que o ajuste inflacionário contido na Selic inviabiliza a utilização desta taxa de mercado*.

Assentadas as duas correntes principais sobre a controvérsia dos juros legais, passa-se a uma breve exposição sobre a aplicação desta última corrente no contexto econômico atual.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, a Selic foi definida em 2% (dois por cento) ao ano. Em dezembro de 2019, a Taxa Selic fechou em 4,4% (quatro vírgula quatro por cento) ao ano. Ou seja, os índices de juros no mercado se encontram bem abaixo da taxa de 12% (doze por cento) ao ano. Essa diferença decorre, principalmente, de uma alteração da realidade política e econômica vivenciada no Brasil, tendo em vista o cenário de alta inflacionária e instabilidade da moeda durante os primeiros anos de vigência do Código Civil, em que a Selic superava índices de 20% (vinte por cento) ao ano*.

A diferença apontada indica que, atualmente, há grande descompasso entre os juros legais – quando aplicados conforme o CTN – e o rendimento de investimentos no mercado financeiro, na medida em que a Taxa Selic influencia as aplicações financeiras disponíveis no mercado. Essa diferença pode implicar em incentivo para manutenção de processos nos judiciários; desincentivo para resolução consensual dos conflitos; e incentivo para judicialização das demandas. Tudo isso porque, atualmente, o estado de mora de um devedor, em uma controvérsia judicializada, rende mais juros do que a imensa maioria das opções de investimento do mercado.

Além das distorções ocasionadas por esta interface econômica do Direito, alerta-se que a ausência de consenso entre os tribunais nacionais, assim como entre a doutrina, para uma interpretação única do artigo 406 do Código Civil acaba gerando insegurança jurídica para os particulares.

Por conseguinte, considerando o cenário apresentado, uma alternativa bastante segura é a definição expressa da taxa de juros pelas partes no contrato. Com a pactuação detalhada dos juros no contrato, em respeito aos limites legais, garante-se segurança jurídica e, se a taxa for bem pactuada, as partes podem evitar incentivos disfuncionais em uma eventual controvérsia contratual.

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*Luiz Eduardo de Avila Guimarães é graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e profissional integrante dos quadros do escritório.

 

REFERÊNCIAS

* REsp 1102552/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 06/04/2009; EREsp 727.842/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 08/09/2008, DJe 20/11/2008; REsp 1279173/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 09/04/2013.

 

*Para mais informações acerca do histórico da Taxa Selic, ver: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros

 

* TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0433.95.007688-8/001, Rel. Luiz Carlos Gomes da Mata, 13ª Câmara Cível, j. 04/07/2019, p. 12/07/2019.

 

* TJSP; Apelação Cível 1015222-63.2015.8.26.0002; Rel. Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 1ª Vara Cível; j. 23/11/2016; reg. 24/11/2016;

 

* TJSP; Apelação Cível 0160901-50.2011.8.26.0100; Rel. Hugo Crepaldi; Órgão Julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 26ª Vara Cível; j. 29/09/2016; reg. 29/09/2016

 

* https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros

 

*FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos. 7ª Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

 

*FONSECA, Rodrigo Garcia da. Os juros e o novo código civil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 26/2004, p. 67 – 110, Out – Dez/2004, São Paulo: Thomson Reuters.

* MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Volume V, Tomo II. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

 

*RIZZARDO, Arnaldo. Juros no Código Civil de 2002. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 22/2003. p. 53 – 77. Out – Dez/2003. São Paulo: Thomson Reuters.

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