É possível a produção antecipada da prova no Poder Judiciário enquanto não instituída a Arbitragem?
O que é a produção antecipada da prova?
A produção antecipada da prova é um procedimento disposto pelo art. 381 do Código de Processo Civil de 2015(1) (CPC/15), previsto para os casos em que, antes mesmo do ajuizamento de uma ação, pede-se que seja produzida uma prova, a fim de se evitar o risco de tornar difícil ou impossível a verificação de um fato em momento posterior.
Além disso, a produção antecipada da prova pode ser utilizada para viabilizar um acordo ou evitar o ajuizamento de uma ação.
Esses casos estão previstos nos incisos I, II e III do referido art. 381 do CPC/15 e, com exceção do inciso I (risco de se tornar difícil ou impossível a verificação de um fato posterior), as demais hipóteses não se mostram, em regra, suscetíveis de urgência.
O que é a cláusula compromissória arbitral?
Nos termos do art. 4º da Lei n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem), a cláusula compromissória é “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir e surgir, relativamente a tal contrato”.
Em outras palavras, a cláusula compromissória é um ato consentido entre as partes, as quais decidem que futuros desacordos existentes em um contrato serão apreciados e resolvidos por um Juízo Arbitral, ou seja, as partes estipulam que as desavenças não serão submetidas ao Poder Judiciário, e sim a um Tribunal composto por um ou mais árbitros.
Logo, uma vez que as partes estabelecem uma cláusula compromissória em um contrato, é instituído por elas que o Poder Judiciário não seria mais competente para resolver o conflito advindo daquele contrato.
É possível requerer a produção antecipada da prova nos casos em que exista cláusula compromissória arbitral estabelecida entre as partes?
Nos casos em que exista urgência, ou seja, na hipótese do inciso I do art. 381 do CPC (fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos), é pacífico o entendimento no sentido de que é possível requerer a produção antecipada da prova no Poder Judiciário, antes de instituída a arbitragem, por força do art. 22-A da Lei de Arbitragem:
“Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.”
A medida só tem duração, em regra, de 30 (trinta) dias, cessando a sua eficácia se a arbitragem não for instituída pela parte interessada nesse prazo, contado da data em que for efetivada a decisão, nos termos do parágrafo único do art. 22-A da Lei de Arbitragem(2).
Além disso, após a instituição da arbitragem, cabe ao Tribunal Arbitral analisar se será o caso de manutenção, modificação ou revogação da medida, conforme o art. 22-B da Lei de Arbitragem(3).
Mas quando inexistente, a princípio, a situação de urgência, como nos casos em que se pretende viabilizar um acordo ou evitar o ajuizamento de uma ação, seria possível a produção antecipada da prova diretamente no Poder Judiciário?
Essa questão é matéria de controvérsia entre juristas, existindo doutrina favorável e desfavorável à produção antecipada da prova no Poder Judiciário quando inexistente a situação de urgência, ou quando não convencionado expressamente essa possibilidade na cláusula compromissória arbitral.
Porém, em um julgado recente submetido ao Superior Tribunal de Justiça, a Terceira Turma de Direito Privado decidiu que não seria possível a produção antecipada de provas sem que exista situação de urgência.
Trata-se do REsp 2023615/SP, julgado em 14.03.2023, de relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, que foi mencionado na Edição Extraordinária n. 12 do Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Em seu voto, o Min. Marco Aurélio Bellizze esclareceu que apenas o requisito da urgência é capaz de atrair a competência provisória da jurisdição estatal para decidir sobre a produção antecipada de provas, ou seja, apenas as pretensões com fundamento no inciso I do art. 381 do CPC/15.
Assim, o Ministro entendeu que, com a existência de cláusula compromissória arbitral, não seria adequado retirar dos árbitros a competência exclusiva para julgar a ação de produção antecipada de provas com fundamento nos incisos I e II do art. 381 do CPC/2015, sob pena de violação do art. 22-A da Lei de Arbitragem.
Por fim, frisa-se que, apesar de se tratar de julgado colegiado – decidido por toda a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça -, não se trata de decisão vinculante, ou seja, os Juízes e Tribunais não são obrigados a seguir esse entendimento.
Contudo, trata-se de importante julgado, o qual traz maior segurança jurídica, principalmente em relação à competência soberana do Tribunal Arbitral nos casos em que seja necessário o procedimento da produção antecipada da prova.
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Fonte: Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
(1) Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
(2) Art. 22-A. Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.
Parágrafo único. Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.
(3) Art. 22-B. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.