Nova lei autoriza teste de DNA em parentes consanguíneos do pai biológico para confirmar paternidade
A Lei nº 14.138, de 16 de abril de 2021, e a resistência dos parentes consanguíneos do pai biológico falecido (ou ausente) em se submeter ao exame de DNA em ação de investigação de paternidade.
Para aqueles antenados em Direito de Família e nos julgados dos tribunais brasileiros relacionados à matéria, não será difícil recordar do julgamento da Reclamação nº 37.521/SP (2019/0061080-0), no qual a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, proferiu voto para cassar a sentença reclamada e determinar que fosse exaurida a atividade instrutória quanto à filiação biológica do Reclamante, devendo o julgador de 1º grau, adotar as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, ou, se impossível a elucidação da questão, decidir com base em presunções e ônus.
Esse não é só mais um caso de pai biológico que recusou a se submeter ao exame de DNA em ação investigatória de paternidade, mas é o caso de um Reclamante que havia ajuizado ação investigatória de paternidade e tido sentença improcedente, visto que o resultado do exame de DNA tinha sido negativo para a paternidade indicada. Contudo, ao constatar que o resultado do teste tinha indícios de fraude, ajuizou nova ação investigatória, dessa vez em face dos filhos de seu suposto pai biológico, que, à época, já havia falecido.
Intimados para fornecerem material genético para realização de exame de DNA, os filhos reconhecidos do falecido não compareceram na data designada para a coleta e nem sequer justificaram a ausência. O Juiz de 1º grau, então, extinguiu o processo, sem resolução do mérito. Um dos argumentos para a decisão teria sido a coisa julgada formada na primeira ação investigatória e que a recusa dos envolvidos em fornecer o material genético não poderia induzir à presunção de paternidade da Súmula 301, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) .
Já naquele julgamento, o Poder Judiciário deu indicativos de que o entendimento da Súmula 301, do STJ, não poderia ser materializado, absoluto e insuscetível de relativização, pois “maior do que o direito de um filho ter um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai” . Tratava-se de um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, conforme preceitua o artigo 27, da Lei nº 8.069/1990 .
Contudo, não raras vezes, há recusa no fornecimento de material genético para realização do tão necessário exame de DNA. A recusa pode vir do suposto pai biológico, mas, também, como mencionado no caso relatado acima, vir dos seus filhos quando o suposto pai já faleceu. A resistência das únicas pessoas aptas a esclarecer a paternidade torna a solução da controvérsia extremamente demorada, desgastante, além de desrespeitar uma ordem judicial de comparecimento ao local da perícia, em postura completamente anticooperativa e anticolaborativa com a adequada tramitação deste processo.
A tentativa de sanar esse e outros problemas relacionados à fase de produção de provas em ações investigatórias de paternidade ajuizadas pelo Brasil afora, apesar do voto da Ministra do STJ servir como um excelente precedente para casos futuros, veio no último dia 19 de abril, quando foi sancionada lei que permitirá que o exame de DNA seja realizado em parentes consanguíneos para comprovar suspeita de paternidade quando o suposto pai biológico estiver morto ou sem paradeiro conhecido, determinando que, no caso de recusa, a paternidade poderá ser presumida.
A Lei nº 14.138/2021 foi publicada no Diário Oficial da União e alterou o artigo 2º-A, da Lei nº 8.560/1992, passando a vigorar acrescido do §2º:
Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.
§ 1º. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
§ 2º. Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
Pelo texto, o Juiz responsável pela condução da ação investigatória convocará para o exame de DNA, preferencialmente, os parentes de grau mais próximo e, caso eles se recusem a fazer o exame, o Juiz poderá decidir pela presunção de paternidade, dependendo do contexto probatório.
A nova Lei nº 3.248/2012
A nova lei é oriunda do Projeto de Lei nº 3.248/2012, de autoria da ex-senadora Marisa Serrano. Na época da aprovação na Câmara dos Deputados, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que deu parecer favorável ao Projeto, afirmou que o direito de privacidade não poderia se sobrepor “ao direito de reconhecimento do estado de filiação, que tem sérias repercussões na vida do registrado”.
A mesma interpretação foi seguida pelo Secretário Maurício Cunha, da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA). Confira-se:
Conhecer suas origens e filiação é um direito humano básico que interfere em muitos outros. Proteger crianças e adolescentes passa por garantir que eles terão acesso a todos os seus direitos, inclusive herança e pensão alimentícia, quando é o caso. A publicação dessa lei é um passo importante para reparar, ao menos uma parte, dos danos sofridos por crianças e adolescentes que, infelizmente, convivem com a quebra de filiação .
O dispositivo de lei trará um certo alento àqueles que “sentem na pele” a inércia e a postura anticooperativa dos parentes do suposto pai que, de forma sistemática e injustificada, deixa de fornecer o material biológico para a realização do exame de DNA determinado pelo juízo, pois, em muitos casos, se torna impossível a condução do investigado (ou de quem lhe faria as vezes) “debaixo de vara”, conforme bem relembrou os precedentes do Supremo Tribunal Federal (HC 71.373/RS, Pleno, DJ 22/11/1996 e RHC 95.183/BA, 1ª Turma, DJe 17/10/2013).
A Lei nº 14.138/2021, também, uniformizará a jurisprudência, que, até então, possuía correntes diversas, conforme relatou o Professor Gustavo Tepedino no Volume 06, dos Fundamentos de Direito Civil .
Nossa equipe está à disposição para prestar demais esclarecimentos sobre o assunto.
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Conteúdo produzido por Lívia Ribeiro Alves dos Santos.